sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

17 de dezembro: O dia sem fim!

Domingo, 17 de dezembro de 2006, Yokohama, Japão. Barcelona x Internacional.

Uma cor, três letras entrelaçadas, um sentimento. Uma família, um amigo, um consolo, uma paixão. A América Latina, muitos ídolos, o mundo. Ele e toda a legião de vermelhos jamais poderiam imaginar que o ano de 2006 iria ser tão bondoso para com eles. Depois de ele ter vivido a loucura de conquistar a primeira Libertadores diante do atual campeão do mundo, teria a difícil missão de manter seu coração batendo para ver seu Inter disputar o Mundial de Clubes FIFA.

Contra o Al-Ahly, na semifinal, ele teve medo de o sonho acabar ali, viu seu time passar por dificuldades durante a partida, viu seu possível adversário atropelar o América e sentiu que seu coração logo sairia pela boca. Para impor negatividade, o companheiro arquirrival que assistia ao jogo junto dele comentou risonhamente:

– E você aí, orando e acreditando que seu time vai ser campeão do mundo (risinhos)...

Ele nada respondeu, mas sabia, dentro dele, que os anos de sofrimento já tinham passado, o calvário havia acabado. Tinha chegado a hora. O grande momento. Dos pés abençoados do Pato e Adriano, a vitória do Inter sobre o Al-Ahly fez o coração dele palpitar mais forte e ele viu a decepção no rosto do seu amigo-rival. Então, depois de ter massacrado o América, o até então melhor time do mundo e favorito para ganhar o mundial se preparava para jogar contra o time dele, o Inter.

A seleção do Barcelona era composta por Valdés, Zambrotta (Belletti), Rafael Márquez, Puyol, Van, Bronckhorst, Motta (Xavi), Iniesta, Deco, Ronaldinho, Giuly e Gudjohnsen (Ezquerro). O Inter era composto por Clemer, Ceará, Índio, Fabiano Eller, Rubens Cardoso, Edinho, Wellington, Monteiro, Alex (Vargas), Fernandão (Adriano), Alexandre Pato (Luiz Adriano) e Iarley. No dia 17 de dezembro, ele, o torcedor, juntou suas mãos diante da televisão – era tão sofrido torcer de longe, tão angustiante para ele – e rezou. Com a camisa vermelha e uma bandeira com um escudo colorado enorme nas costas, ele estava devidamente equipado e, dentro do possível, preparado para assistir a batalha.

O primeiro tempo foi de um sofrimento inquestionável. Ronaldinho, o melhor do mundo, cobrando falta e ele berrava “PRA FORA! PRA FORA! PRA FORA!” na frente da televisão. Seu pedido foi atendido.  O Inter tinha poucos ataques, a seleção do Barcelona prevalecia sobre o time dele e isso só aumentava o nó em sua garganta. Os seus olhos ficaram bem lubrificados quando ele sentiu que o Inter equilibrou o jogo na metade do primeiro tempo. Nenhuma chance significativa pra nenhum dos lados e mais alguns minutos de sofrimentos: o intervalo.

Pelo menos nesse tempo ele teve um momento para esvaziar a bexiga que estava cheia, por causa do nervosismo. Ele tentou até tomar um copo d’água, mas seu estômago não aceitava nada... estava embrulhado, pequeno demais para receber uma gota sequer de qualquer líquido que fosse. Com as pernas trêmulas, voltou para a sala onde assistia ao jogo dos seus sonhos. Sozinho diante da televisão, ele viu o árbitro apitar e o jogo recomeçar. Então, baixou o volume da tevê, ajoelhou-se novamente, fechou os olhos e exclamou:

– Nas minhas duas décadas e meia de existência, desde que nasci, vesti o vermelho com o maior amor que tinha pra oferecer a ti, Inter. Sofri muito com o sucesso do rival e o nosso declínio. – Começou a gritar – Nasci vermelho e morrerei vermelho! Sofri tudo o que sofri, mas continuo aqui. Inter, Fernandão, Iarley, Pato, Alex... Por vocês orei e ralei meus joelhos, por vocês continuo orando. Lutem e vençam! Vocês têm o poder de transformar completamente a história do Internacional. Ganhem, ou os anos de sofrimento só se estenderão.  – Beijou o escudo da camiseta e aumentou o volume da televisão.

E ele nem imaginava que seu pedido seria atendido...

Câimbras tiraram Fernandão do jogo e Abel colocou o até então odiado Gabirú. Ali, ele, o torcedor, pensou que estava tudo perdido. Jamais aquele Gabirú, com tão pouca técnica, traria algo a mais ao time, jamais ele chegaria ao nível do Fernandão no jogo; havia pensado ele, que permanecia ajoelhado. Ele passou as mãos na testa, no queixo e, por fim, no olhos para secar o suro. O lance começou quando ele ainda estava com as mãos cobrindo seus olhos: Clemer chutou pra frente, Belletti dominou no peito, chutou. Índio correu atrás da bola, driblou o marcador e deu outro chutão pra frente. Gabirú cabeceia a bola, Luiz Adriano vem logo atrás e cabeceia novamente para Iarley, que sai no contra-ataque. Este driblou o Puyol passando a bola por entre suas pernas e se mandou. Iarley tinha duas opções: Luiz Adriano pelo lado direito ou Gabirú, pelo esquerdo. Com milhares de corações jogando junto dele, Iarley fez a escolha certa: pifou Gabirú na cara do goleiro, deixou Belletti esborrachado no chão e, com um toquezinho de lado do pé, tirou do goleiro e marcou aquele que seria o mais importante gol da história do Sport Club Internacional, agora campeão do mundo. O mundo sentiu a Terra tremer com a comemoração dos milhares de colorados que pulavam descontroladamente, eufóricos com o gol.

Nunca um pé direito poderia ser tão amado quanto aquele do Adriano Gabirú. Nunca.

Quando ele, o torcedor, deixou sua visão livre das mãos, viu a bola quicando dentro do gol do Valdés. Não levantou do chão. Simplesmente paralisou por 10 segundos. Então, em um pulo, levantou e correu para a janela da sala.

– EU JÁ SABIA! EU JÁ SABIA! – Gritou isso para a rua inteira por mais quatro minutos e, então, saiu da janela e desabou no chão. Ficou ali deitado e logo sentiu que seu rosto, colado ao chão, estava dentro de uma poça de lágrimas... de alegria! Sentiu seus joelhos doendo por ter permanecido todo aquele tempo ajoelhado, sentiu seus dedos quase atrofiados de tão apertado que segurava a bandeira que lhe caía nas costas e sorriu. Ele sorria e chorava simultaneamente. Jamais havia sentido tamanho amor e emoção quanto naquele momento.

Ele desejou que aquele momento nunca mais acabasse. E não acabou.