Nasci na rua e, foi na rua, que me criei. Ali cresci, aprendi, me formei. Na faculdade da vida. Mas me formei. Aliás, mais que isso: me formei colorado. Eu não tenho nada mais que um carrinho de supermercado, forjado de um dia de chuva, onde carrego, diariamente, meus poucos pertences: um cobertor furado, alguns papelões que, semanalmente, eu troco, uma panela, relativamente, em bom estado, e, principalmente, meu companheiro de dias frios, calor intenso e solidão: meu cachorro Chiquinho, em homenagem ao lateral que fez sucesso nos primórdios da geração Internacional, do nosso Internacional.
Minha vida nunca foi fácil. Não tenho esposa, não tenho filhos, não tenho família. Tenho o Inter. Se os jogadores soubessem que aquele carrinho que não deram, aquele treino que não se esforçaram, aquele chute que evitaram, o campeonato que perderam... se soubessem que isso fez falta à minha única alegria... Porque o colorado move, absolutamente, toda a minha esperança de felicidade. Eu não tenho nada a mais que as perspectivas que o Inter me gera. E podia não ser Inter. Mas optei pelo vermelho, pelo clube que, desde os primórdios aceita a todos. Sem distinção, sem preconceito. Um clube que aceita negros, índios, brancos, gabirus e homens, do povo, da rua, como eu.
Lembro bem daquele titulo de 75. Do calor que fazia. Ao final do jogo, e do iluminado gol do Figueroa, eu, ainda menino, brincava com os limões que utilizava pra ganhar esmola. Sorriso de orelha a orelha. Nos carros, gremistas sisudos, que rumavam para o aconchego de um lar, o conforto de uma família. Tristes. E eu, ali. Menino, pobre, mendigo. Mas feliz. Porque o Inter me proporcionou isso.
E aquela noite, da Libertadores, de 2006? um frio intenso, amenizado com uma conquista ímpar. Difícil alguém, nesse mundo, ter sido mais feliz que eu, sem casa, sem rumo, sem futuro. Mas campeão da América. Ali eu me juntei a vocês. E recebi abraços sem ninguém se importar com minhas condições social, higiênica, profissional. O Inter me proporcionou ser gente naquela noite. Chorar abraçado com aquele senhor do carro importado, que me vira a cara todos os dias, de manhã, quando lhe peço uma moeda. Cantar junto dos meninos universitários, ser anfitrião, na rua, na minha casa, da festa da minha família vermelha de milhões de colorados.
É como se eu não tivesse casa e ainda assim, meu lar fosse sede de uma Copa do Mundo. É como se eu não tivesse família e ainda assim, tivesse milhões de irmãos.
Hoje eu vivo na rua, como sempre vivi. E é na rua que estarei no aniversário do meu melhor amigo. É da rua que ouvirei o entoar de uma torcida apaixonada e incansável. É nas ruas, nas ruas de fogo que eu estarei presente, como estarão milhares de outros, como eu, que, independente da condição social, é colorado de alma e coração. Sinta-se bem vindo à rua, minha casa, meu amado colorado, para começar a cantar os parabéns ali, e vencer os imbatíveis. Somos, como sempre fomos, insuperáveis, na arte de surpreender a vida.
Um morador das ruas. De fogo.
Por: Nando Rocha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário